sexta-feira, 1 de março de 2013

2.Carta de São Geraldo Majella à Madre Maria de Jesus





2. Carta à Madre Maria de Jesus(1)

Deliceto, Santa Maria da Consolação, 22 de janeiro de 1752

Assunto e contornos: Na tentativa de incluir as monjas de Ripacandida a aceitar a mitigação das regras carmelitanas, Mons. Teodoro Basta, isolou o mosteiro, tornando difícil até a correspondência. À Madre Maria não sobrou outra forma de comunicação do que o "estar no lado sacratíssimo de Cristo". Geraldo sublinha a profunda realidade de tal comunicação e a convida a ler todos os acontecimentos, ainda aqueles que estão cheios de dificuldades, à luz da fé. Somente assim será possível

permanecer firme. Mas "alegremente", porque o sim à vontade de Deus leva a "engrandecer-nos" sempre mais.
Jesus + Maria!
Minha querida irmã em Jesus Cristo, foi verdadeiramente um consolo para mim sabê-la tão fortemente empenhada por mim junto ao seu divino Esposo, pela carta na qual me dizia que eu não tinha outra maneira de falar-me a sós senão dentro do seu lado sacratíssimo.
Imagina V. Revma. qual não foi minha satisfação ao ouvi-la falar com tanta suavidade. Por este motivo sinto desejo de confessar-lhe a minha verdade (2). Talvez lhe agrade, caríssima em Jesus Cristo.
Eu, embora indigno, não deixo de rezar ao Senhor por V. Revma. e por toda a comunidade, a fim de que sejam verdadeiras esposas e verdadeiras amantes do seu santíssimo querer. Quantas vezes me dirijo ao Senhor, em verdade lhe digo, tantas as contemplo dentro de seu lado sacratíssimo, oferecendo-me sempre ao sacratíssimo Coração, ferido por sua causa. E Deus sabe o sentimento que V. Revma. me causa vendo-a tão aflita. Não é bem uma aflição, entenda, mas inveja minha. (3)
Bendito seja sempre o Senhor que a mantém em tal estado para fazê-la uma grande santa. Vamos, pois, alegre-se e não tema! Seja forte e corajosa nas batalhas, a fim de conseguir depois um grande triunfo no reino dos céus.
Não nos assustemos senão pelo que o espírito maligno semeia em nossos corações, porque este é seu ofício. E nosso dever é não deixá-lo triunfar em seus intentos. Não lhe demos crédito porque não somos o que ele quer e diz. Isto não é senão para nos espantarmos e nos atemorizarmos e, deste modo, fazer-nos crer que ele é o vencedor em suas más obras.
É verdade que, às vezes, nos achamos fracos e confusos. Não confusão com Deus, não há fraqueza com o poder divino! Porque é certo que nas lutas a Divina Majestade nos ajuda com seu braço poderoso. Por isso, podemos ficar alegres e engrandecer-nos (aceitando) a vontade divina. E bendiremos as suas santíssimas obras por toda a eternidade. Assim, digo a V. Revma.: não se esqueça de mim em todas as suas santas orações. Assim eu peço, por amor de Jesus Cristo e de Maria Santíssima, a toda sua santa comunidade. E permaneçamos no lado sagrado de Jesus Cristo.
Santa Maria da Consolação, 22 de janeiro de 1752.
De V. Revma., indigm. servo e irmão em Cristo,
Geraldo Majela, do Santíssimo Redentor.
***
Observações:
1) Para se compreender esta carta é preciso saber que, como já foi dito, Ripacandida pertencia ao bispado de Melfi, cujo bispo, Dom Teodoro Basta, embora homem eminente, era bastante autoritário em suas decisões. Em 1746, autorizara as religiosas de Ripacandida a professar a Regra de Santa Teresa. Em abril de 1750, por ocasião de uma missão naquela cidade, Santo Afonso, fundador dos redentoristas, pregou-lhes o retiro espiritual e moderou prudentemente as austeridades excessivas que praticavam. Algum tempo depois, convidado pelo Bispo, entrou em cena um padre carmelita de Nápoles que propôs uma mitigação na observância da Regra de Santa Teresa; as monjas se opuseram a isso. O Bispo tomou, então, para si a direção imediata do mosteiro e deixou o padre carmelita agir. Não deu às irmãs um diretor espiritual que as orientasse na vida pessoal. Também os colóquios espirituais no locutório foram
proibidos ou, pelos menos, tornaram-se muito difíceis. Quem quisesse podia dirigir-se ao Bispo ou confessor nomeado. Dom Basta mandou examinar a vida interior de Madre Maria de Jesus e ela foi declarada "visionária". Temendo estar enganada, a pobre monja escreveu a Santo Afonso, expondo-lhe sua situação e a das outras religiosas do mosteiro. Fez isto sem a autorização do bispo que proibira às monjas escrever cartas, a não ser alguma absolutamente necessária, mas sempre sob o controle de um sacerdote nomeado ad hoc por ele.
A 27 de janeiro de 1752 - portanto cinco dias depois desta carta de São Geraldo - Santo Afonso respondia à Madre, tranqüilizando-a quanto à sua vida espiritual: "De minha parte, asseguro-lhe que Deus está com a senhora. Que quer mais? As suas coisas, sobre as quais me escreveu, considero em geral coisas de Deus". Quanto à falta de um diretor espiritual, escreve o santo Doutor na mesma carta: "Deus não existe? Como é que tantos se fizeram santos nas grutas, nos desertos, onde não tinham outros diretores senão os passarinhos e as árvores? Quando temos um diretor idôneo, e não queremos recorrer a ele, Deus não nos ajuda. Mas quando falta tal diretor (como falta, em geral, nos mosteiros de Nápoles e quanto sofrem muitas almas boas!) então Deus faz tudo. Deus não pode faltar a quem o procura de todo o coração. Consolo-me fazendo saber-me que V. Revma. e todas se abandonaram nos braços amorosos de Jesus, que, em verdade, se deixa encontrar por quem o quer".
A Madre tinha-lhe escrito sem a permissão do bispo; também quanto a isso, Santo Afonso a tranqüiliza, com sua autoridade de teólogo moralista: "Não tenha escrúpulo, nem agora nem depois, por haver-me escrito sem permissão. Basta que eu lhe diga isto, não ande procurando razões. Mas diga às suas irmãs e minhas irmãs que guardem segredo com todos, com o confessor e com o bispo". Embora grande
amigo de Dom Basta, Santo Afonso era mais amigo ainda da verdadeira paz e serenidade das consciências.

2) A "verdade" de São Geraldo era uma total identificação com Cristo crucificado, até suas últimas conseqüências: sofrimento e morte. Nisto via ele até que ponto vai o imenso amor de Deus pelos homens, a vontade salvífica de Deus. Conformar-se totalmente com a vontade de Deus nos sofrimentos e na morte em união com Jesus crucificado e morto, era, para Geraldo, a realidade da vida humana, realidade que leva à Ressurreição e à Vida. Por isso, seu grande segredo, a sua "verdade", era sua total identificação com Cristo crucificado.

3) A "inveja" de Geraldo é uma santa inveja, pois as tribulações e sofrimentos da Madre Maria de Jesus, unidos aos de Cristo, servirão para santificá-la. É o que ele diz logo em seguida, bendizendo a Deus "que mantém em tal estado para fazê-la uma grande santa". E a encoraja: "Vamos, pois, alegre-se e não tema! Seja forte e corajosa nos combates..." Mais adiante escreve: "Não há confusão em Deus, não há fraqueza com o poder divino! Pois é certo que nas lutas a divina majestade nos ajuda com seu braço divino".
Quem conhece a vida de Geraldo sabe quantas lutas ele teve que sustentar com o espírito maligno e com as forças que o apóiam. Falava por experiência própria e não por noções aprendidas em livros. Daí o magnífico final da carta: "Por isso podemos ficar alegres e engrandecer-nos cada vez mais na vontade de Deus. E bendiremos suas santíssimas obras por toda a eternidade". É nesse crescer em grandeza de sintonia com Deus que está a verdadeira dignidade do homem como pessoa.

TRECHO RETIRADO DO LIVRO CARTAS DE SÃO GERALDO MAJELLA

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