domingo, 3 de março de 2013

INFÂNCIA DE SÃO GERALDO MAJELLA







CAPÍTULO I
Infância


Na Basilicata, província do reino de Nápoles, nas encostas dos Apeninos ostenta-se em magnífica paisagem a cidadezinha de Muro. Uma série de coli-nas defende-a das tempestades ásperas do Norte, enquanto que ao Sul, se estende ridente e fértil pla-nície. Na época, de que nos ocupamos nesta biogra-fia, contava certa de 7.000 habitantes e era sede de um bispado e residência de respeitável número de religiosos de ambos os sexos. No decorrer dos sécu-los, saíram dessa encantadora cidade homens de valor, que se tornaram glória e adorno dela pelo bri-lho da piedade, fama de erudição e louros colhidos nos campos de batalha. Porém criança alguma lá nascida, se distinguiu tanto e em grau tão extraordi-nário pela santidade e poder taumaturgo como a de cuja vida queremos agora dar um resumo. Essa cri-ança viu a luz do dia a 6 de abril de 1726, sendo bati-zada no mesmo dia na igreja catedral pelo arcipreste Felix Coccicone.
O berço de Geraldo foi modestíssimo. Seus pais, o alfaiate Domingos Majella e Benedicta Gadella, embora ricos dos dons celestiais e acatados por to-dos os conterrâneos pelo brilho de acrisoladas virtu-des, eram destituídos dos bens da terra; com o traba-lho de suas mãos e suor de seu rosto tinham de sus-
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tentar os quatro filhos que Deus lhes dera: Brígida, Anna, Izabel e o nosso Geraldo.
Deus porém tomou a si, com prodigalidade espe-cial, o cuidado do menino, desde o início de sua vida, distinguindo por assim dizer com o selo de suas gra-ças especiais e extraordinárias os primeiros movi-mentos e passos desse anjo terrestre.
Todos compraziam-se em contemplar com ale-gria o seu rosto sempre amável e jovial. As primeiras palavras que balbuciou foram os santíssimos nomes do Redentor e de sua benditíssima Mãe, os primeiros movimentos de suas mãos foram o sinal da cruz so-bre a fronte, os lábios e o peito.
Aos quatro anos praticava os exercícios de pie-dade com compreensão superior a sua idade, não perdendo porém com essa precocidade o encanto de meninice. Não gostava dos brinquedos infantis; todo o seu divertimento consistia em levantar altarzinhos que adornava de flores e imagens, imitando as ceri-mônias da igreja. Aprazia-se em cantar hinos piedo-sos e em genuflectir com alegria infantil ante as ima-gens dos santos da Igreja. Quando conseguia obter restos de cera, a ele fornecidos por um seu parente que exercia o cargo de sacristão da catedral, fabrica-va velas que acendia em seu altarzinho. Às vezes reunia grupos de crianças, com as quais fazia procis-sões, ensinando-lhes, a seguir, orações e lindos cân-ticos.
Essa criança privilegiada amava tanto a oração que podia passar horas a fio a meditar. Repetidas
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vezes encontraram-no a um canto da casa paterna todo absorto em Deus, alheio às coisas da terra e como que a pairar em um mundo superior. Quando se dirigia à igreja em companhia de sua mãe, perma-necia silencioso, modesto e devoto — sempre de joe-lhos — causando a todos admiração e edificação como se fosse um anjo do paraíso. O próprio Deus amava Geraldo, que aos seis anos de idade mereceu receber do céu sinais do agrado divino.
Nas vizinhanças da cidade de Muro acha-se a pequena igreja de Nossa Senhora de Capotignano, muito visitada pelos fieis apesar das dificuldades da estrada pedregosa que para lá conduz. A imagem venerada no altar-mor representa a Santíssima Vir-gem com o Menino Deus nos braços. O pequeno Ge-raldo teve logo conhecimento desse santuário popu-lar e sentiu-se irresistivelmente atraído por ele. Um dia foi Geraldo sozinho até lá para desabafar o seu piedoso coração diante da Mãe de Deus e de seu Filho.
Mal se aprofundara na oração, quando lhe pare-ceu que a criança e a Mãe tomavam vida sobre o al-tar, estendendo-lhe o Menino o braço em atitude de quem convida. Pouco depois, celestemente amável, e com o sorriso nos lábios, desce a brincar com ele. Após curto intervalo entrega-lhe um pãozinho fino e branco como a neve e desaparece. Geraldo satisfeito corre para casa e triunfante mostra à mãe o presente recebido. “Donde tens esse pão?” “Foi, respondeu ele, o filho duma formosa senhora que m’o deu”. A
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mãe desistiu de mais perguntas supondo que Geral-do tivesse recebido o presente do filho de alguma família rica.
A experiência feita não deixou sossegar o meni-no, que daquele dia em diante começou a multiplicar as suas visitas à igreja de Nossa Senhora de Capotignano como que atraído pela Criança dos braços da Virgem; e realmente foi-lhe dado ver repetidas vezes a Criança e receber de suas mãos o presente do pão. Esse fato, repetido tantas vezes, não deixou de despertar a curiosidade da mãe e das irmãs. Um dia de manhã, quando Geraldo se dirigia apressado à igreja, a mãe e a pequena Anna seguiram-no e puderam assim ser testemunhas oculares daquela cena misteriosa e encantadora.
Ao que parece, Geraldo recebeu aquele pãozinho não só do Menino, mas também da Santíssima Virgem — ao menos ele se exprimiu mais tarde, de um modo que deixava entrever isso. Visitando com sua mãe a igreja, apontou a imagem de Maria com o Menino dizendo: “Minha mãe, eis a nobre senhora que mais vezes me deu o pão, e a Criança com a qual brinquei”.
Semelhante graça foi concedida ao pequeno Geraldo também no jardim do arcipreste de Cillis. Es-tando uma vez a orar com um grupo de crianças diante de uma cruz por ele colocada, como de costume, no ramo de uma amendoeira, a copa da árvore tornou-se resplendente irradiando-se a claridade também para fora do jardim. Os outros viram apenas
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o esplendor da árvore, mas Geraldo contemplou, por entre a claridade, a bela Criança divina que baixou por entre os ramos e a ele se dirigiu apresentando-lhe o pão branco, delicioso ao paladar. Ao chegar em casa, como Geraldo não quisesse tomar a refeição costumada, a mãe o recriminou, mas ele explicou o caso com simplicidade dizendo: “Minha mãe, eu já comi, foi o menino que me deu o pão”.
Ao assistir a santa Missa, via Geraldo muitas vezes o Menino Deus, nas mãos do celebrante, admirando-se sempre de o padre quebrar em pedaços e consumir a hóstia. Uma vez chegou a dizer com candura infantil ao sacerdote: “Que bela coisa fizestes... devorastes hoje uma criancinha”.
Naquele tempo Geraldo ainda não sabia bem quem era a criança que vira tantas vezes e que o a-traía com tanta força. Vinte anos mais tarde disse à sua irmã Brígida, com a simplicidade que lhe era peculiar: “Agora sei que a criança que me dava o pãozinho, na minha infância, era o Menino Jesus; naquele tempo eu supunha que fosse uma criança qualquer”. “Então, replicou Brígida gracejando, volte outra vez a Muro para visitar a Madona de Capotignano e encontrar o belo Menino”. “Não, disse Geraldo, agora já não preciso ir a Muro para encontrar a Madona e o Menino; agora os encontro em toda a parte”.
Todos esses sinais evidentes de predileção divina inspiraram aos pais de Geraldo o desejo de dar esmeradíssima educação à criança que haviam recebido de Deus qual tesouro precioso e inestimável.
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Benedita, convencida que seu filho fora formado só para o céu, nada descurou para secundar o desen-volvimento dos germens da virtude em seu coração.
Na idade de sete ou oito anos, Geraldo foi mandado à escola, onde lecionava um parente da família por nome Donato Spicci. Lá aprendeu bem depressa a ler, escrever e expressar-se com facilidade, tornan-do-se em breve tempo o modelo de seus condiscípu-los e predileto do mestre. Spicci denominava-o “suas delícias”, e amava-o com ternura de um pai. Ao perito professor não passou despercebido o talento didático do menino, eis porque quase sempre lhe confiava o encargo de ensinar aos menores os rudimentos das ciências e de repetir com eles a lição.
Geraldo, longe de se ensoberbecer com essas distinções, era sempre o mesmo menino simples e dócil, pronto a obedecer aos mais leve aceno de seus pais. Em virtude de sua admirável comunicação com o céu, desenvolveu-se nele, bem cedo, o desejo da mortificação do corpo e o amor aos pobres; jejuava freqüentemente a pão e água, e tomava tão pouco alimento, que todos se admiravam de ele não definhar de fraqueza; às vezes passava dias inteiros em jejum completo, esquecido da alimentação. Quantas vezes não acontecia a mãe encontrar intacta a comi-da quando voltava do trabalho! Geraldo costumava dar aos pobres as minguadas porções e o pão que a mãe às vezes lhe preparava especialmente. Todavia jamais se recusava tomar alimento quando nesse sentido recebia ordem de seus pais; na mortificação,
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como em tudo o mais, não cedia à teimosia — sinal seguro do bom espírito que o animava. Temia abor-recer a seus pais, e não descansava enquanto não reparasse o mal, caso acontecesse às vezes magoá-los contra a sua vontade e sem culpa sua.
Que Geraldo nutria terníssimo amor para com a SS. Virgem deduz-se facilmente do que temos narra-do até aqui. Já nos é sabido que o santíssimo nome de Maria foi uma das primeiras palavras nos lábios do pequeno protegido do céu. O amor à Mãe de Deus era-lhe, por assim dizer, inato, cresceu-lhe com a idade, e desenvolveu-se em ardente veneração mormente desde o dia em que a Madona de Capo-tignano começou a agir de modo tão atraente sobre a sua alma. A recitação do rosário e outros exercícios de devoção à Rainha do céu tornaram-se-lhe bem depressa familiares e caros; as festas de Maria, para as quais se preparava sempre por diversos exercícios de piedade e atos de mortificação, eram-lhe dias de alegria que transparecia em seu semblante a ponto de causar admiração a todos os seus. Em retorno também a SS. Virgem redobrava as provas sempre crescentes do amor para com seu fiel e dedicado servo. Já em seus mais tenros anos visitou Geraldo, pela primeira vez, Caposele, onde mais tarde, como religioso iria receber de Maria as mais assinaladas graças e onde terminaria a sua carreira. Para lá levou-o sua mãe ou qualquer outro parente em visita ao santuário, no qual Maria é venerada sob o título de Mater Domini, isto é, Mãe do Senhor. A piedosa
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criança lançou-se de joelhos ante a sagrada Imagem e, mal pronunciara as primeiras palavras de saudação à sua Rainha, caiu em profundo êxtase na presença dos circunstantes. Era como se Geraldo estivesse a contemplar a Mãe de Deus em sua formosura celestial. Seria talvez o gozo antecipado das ale-grias e consolações que Maria tem preparado para os seus servos fiéis e perseverantes? Ter-lhe-ia na-quele momento garantido o seu socorro e proteção, com os quais Geraldo contou a sua vida inteira? Não o podemos saber porque o servo de Deus guardava inteira reserva sobre coisas dessa natureza a não ser que a obediência o constrangesse a falar, ou que a sua simplicidade o traísse.


Se a SS. Virgem arrebatava o coração do nosso Geraldo nas mais vivas emoções da alegria e amor, com mais eficiência e em grau maior conseguia-o o SS. Sacramento do altar. Geraldo corria à Missa com mais avidez do que as outras crianças aos seus brinquedos prediletos. À elevação da hóstia inclinava-se e assim permanecia por longo tempo. Quando à co-munhão do sacerdote a sagrada hóstia lhe desaparecia dos olhos, prorrompia em prantos, tão grande era a saudade e avidez que tinha do alimento sagrado. Um dia, quando Geraldo contava cerca de oito anos, assistindo à missa na catedral, viu os fiéis aproximar-se da mesa santa da comunhão. Dominado do desejo de igual felicidade, levanta-se e, como que arrebatado por uma atração divina, chegou-se ao altar onde se ajoelhou ao lado dos outros para receber o pão
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dos anjos. O padre porém passou adiante, como se costuma fazer com as criancinhas, que, ignorantes, se colocam na mesa sagrada. Triste e banhado em lágrimas, voltou Geraldo para casa e, não podendo curtir sozinho a sua dor, narrou-a a diversas pessoas amigas e, entre outras, a uma tal Manoela Vetromile que o amava como filho e que procurou consolá-lo de sua aflição. Deus mesmo quis consolar o aflito meni-no. Na noite seguinte, viu Geraldo o arcanjo São Miguel por ele tão venerado, o qual lhe apresentou a sagrada partícula que o sacerdote lhe negara no dia anterior. Na manhã seguinte Geraldo narrou singela-mente o ocorrido à sua protetora Vetromile, exclamando com viva satisfação: “Ontem o padre me não quis dar a santa comunhão, esta noite o arcanjo São Miguel me alimentou com a sagrada hóstia”.
Aos dez anos pôde Geraldo, com o consentimento do seu confessor, fazer como de costume, a sua primeira comunhão na igreja. Esse dia foi para ele de suma alegria. O seu coração inocente, santificado pelas mortificações e inflamado do amor divino, recebeu a Jesus com as melhores disposições e por isso o Hóspede divino não só o enriqueceu da plenitude de suas graças mas também lhe deu a gozar toda a doçura do alimento espiritual. Após a santa comunhão viram o pequeno Geraldo imóvel como em êxtase, deliciando-se todos na visão de seu rosto trans-figurado durante todo o tempo da longa ação de graças. Desde então permitiu-lhe seu diretor espiritual receber a comunhão de dois em dois dias. Para melhor 
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se preparar para esse ato de piedade, costumava ele purificar-se no santo tribunal da penitência e, não querendo terminar a ação de graças sem algum sacrifício, flagelava-se, depois dela, com cordas no-dosas.







Mais ou menos na época de sua primeira comunhão coube ao santo um daqueles golpes, que embora comuns na vida humana, causam profunda dor, como se nunca fossem esperados. A morte levou a Domingos, pai de Geraldo, deixando a família em de-soladora situação. A viúva, constrangida a procurar algum emprego para o filho, afim de conseguir o pão para si e para os seus, colocou-o numa alfaiataria, onde devia aprender o ofício de seu pai e ser o esteio da família. Com isso esvaiu-se o sonho que acalentava a Geraldo, de fugir do meio do mundo e entrar em um convento, onde pudesse, desimpedidamente, entregar-se ao espírito que nele operava, porquanto não sentia gosto em levar vida afastada da casa de Deus. Obediente como era submeteu-se prontamente à vontade de sua mãe, na certeza de que Deus tudo disporia para o seu bem.
O procedimento do santo na oficina de Martinho Pannuto — assim se chamava o mestre — foi exemplar em todo sentido. Pannuto admirava o seu aprendiz e amava-o como um filho. Geraldo aprendia com facilidade, trabalhava com aplicação mostrando-se sempre dócil e atento. Nada porém perdeu de sua vida interior e recolhimento de espírito. Enquanto suas mãos manejavam a agulha, o seu espírito concentrava-se 
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em Deus e nas coisas divinas. Mais de uma vez deu-se o fato de ficar o trabalho parado e inter-rompido por causa dos seus arroubos celestiais. O mestre, muito piedoso, não levava a mal tais interrupções; ao contrário permitia-lhe toda a liberdade em seus exercícios de piedade, e regozijava-se em ter um santo por aprendiz. Em pouco tempo convenceu-se que pela aplicação redobrada de Geraldo ao trabalho, recuperava facilmente o tempo perdido por aquelas interrupções. Distinguia sempre a Geraldo que se mostrava pronto para o serviço e amigo da mortificação. Pannuto trabalhava muitas vezes até alta hora da noite, tendo sempre a seu lado, nessas ocasiões o fraco rapazinho, que quando o mestre abandonava a oficina, se acomodava sobre a terra nua nas noites que não podia voltar para casa. Geraldo não queria utilizar-se do leito reservado para essas eventualidades; quando Pannuto lhe chamava a a-tenção, respondia que para ele, aprendiz, melhor fi-cava o chão do que o leito.
Bem outros sentimentos do que Pannuto, nutria para com Geraldo, o sócio de seu mestre. Para esse homem cruel e malvado a piedade do Servo de Deus era como um espinho na garganta e despertava em seu coração amarga aversão e ódio. Qualquer parcela de tempo, que Geraldo empregava na oração ou passava na igreja, era para ele uma diminuição de trabalho e um crime; cobria-o de injúrias taxando-o de indolente. Não ficava porém só nisso: enfurecido muitas vezes dava-lhe bofetadas e pontapés. Geral-
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do suportava tudo com grande paciência e dizia consigo: “Meu Deus, meu Deus, faça-se a vossa vontade”, por vezes, sedento de sofrimentos, dizia ao tira-no: “Batei, batei mais, que tendes razão para isso!” Nunca lhe passou pela idéia um pensamento de queixa, embora o pudesse fazer livremente encontrando no mestre, que o estimava, um poderoso protetor; antes, pelo contrário, procurava ocultar-lhe to-dos esses acontecimentos desagradáveis. Sucedeu uma vez entrar Pannuto no momento em que o monstro o prostara por terra com seus maus tratos. O mestre exigiu esclarecimentos sobre o ocorrido e interpelou o sócio. Não podendo este justificar-se e contando com o silêncio do aprendiz, respondeu la-conicamente que Geraldo mesmo poderia dizer o que lhe acontecera. Interrogado pelo mestre, Geraldo, cujo coração era nobre e reto, disse singelamente: “Mestre, cai da mesa”. Desta forma falando a verdade, mas não a verdade completa, satisfez ao mestre e poupou ao criminoso. Tanta generosidade não bastou para enternecer o coração de seu inimigo. Continuaram as crueldades. Mostrando-se, um vez, Geral-do contente e sorridente com uma bofetada recebida do sócio da oficina, este com fúria satânica bateu-lhe fortemente com um metro de ferro que tinha na mão. Tão veemente foi a dor, que o santo quase perdeu os sentidos; lançou-se aos pés do seu perseguidor dizendo-lhe com toda calma: “Perdôo-lhe por amor de Jesus Cristo”, e continuou o trabalho como se nada sucedera. O sorriso de Geraldo nesse mau trato não
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era sinal de escárnio como poderia parecer, e como de fato supôs maldosamente o inimigo do rapaz. Era efeito de uma reflexão, rara em tais ocasiões, mas digna de um santo. O próprio Geraldo achou ocasião para dar disso a devida explicação. Ao voltar uma vez de sua igreja predileta de Capotignano, foi recebido pelo sócio da oficina com injúrias desumanas; calou-se e sorriu. O sorriso irritou ainda mais o monstro: “Tu te ris, disse, hás de me dar agora mesmo a razão do teu sorriso!” “Eu me rio — respondeu Geral-do — porque é a mão de Deus que me bate”.
Não se sabe quanto tempo duraram esses tormentos para o pobre aprendiz. Deus que queria pro-var o seu servo e prepará-lo para dons mais eleva-dos, fez cessar a seu tempo todos esses maus tratos. Pannuto, que bem conhecia o rancor de seu companheiro contra o aprendiz, sem todavia poder demiti-lo, chegou enfim a tomar essa resolução. Uma vez o mestre seguiu o nosso Geraldo até a igreja, para mais de perto observar o seu procedimento; esperava certamente edificar-se com o aprendiz, mas a realidade excedeu a sua expectativa e comoveu-o pro-fundamente. Depois de haver orado longo tempo, o rapaz prostrou-se por terra, beijou o pavimento da igreja e arrastando-se de joelhos passou a língua no chão até a proximidade do altar; lá reconcentrou-se em fervorosa oração até cair em êxtase e ficar imóvel, todo absorto em Deus. Comovido até as lágrimas, Pannuto voltou para casa com a convicção inabalável de que o seu aprendiz fruía os favores extra-
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ordinários do céu, e não consentiu mais ter em casa o homem cruel que só tratava o amigo de Deus com o desprezo que se consagra à escoria da humanidade.
A paciente resignação aos maus tratos do sócio da oficina, não foi o único exemplo de virtude heróica de Geraldo na casa de Pannuto. O filho deste, José Antônio, narrou, mais tarde, um outro episódio, em que a mansidão do santo rapaz se manifesta com não menor brilho e resplendor. Uma tarde, Geraldo se apressava da vinha de Pannuto, onde estivera trabalhando, para o santuário de Capotignano que não era muito distante. Ao regressar à cidade, tomou caminho através dos campos, indo parar infelizmente em uma sebe espinhosa, onde alguns passarinhos construíram seus ninhos. Um caçador de atalaia es-tava ansioso para lhes fazer fogo, quando as aves, assustadas pela chegada de Geraldo, levantaram o vôo. Indignado sai o caçador de seu esconderijo, avança contra Geraldo e dá-lhe uma tremenda bofeta-da. Embora geralmente a surpresa nesses casos faça os homens comuns perder a paciência e a mansidão, Geraldo permaneceu calmo; lembrado do conselho evangélico apresentou a outra face. O caçador enfurecido, que naquele momento não se lembrou do Evangelho, tomando aquele ato de humildade por um atrevido escárnio, enraiveceu-se ainda mais e continuou a torturar a sua vítima. Felizmente apareceu o filho de Pannuto e com explicações conseguiu tranqüilizar o caçador encolerizado. Este, reconhecendo
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o seu erro encheu-se de admiração pelo rapaz e tornou-se um dos mais zelos panegiristas do virtuoso aprendiz de alfaiate.



TRECHO RETIRADO DO :LIVRO - VIDA DE SÃO GERALDO MAJELLA


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