quinta-feira, 2 de maio de 2013

São Geraldo Majella Louco de amor divino



CAPÍTULO III
Louco de amor divino

A oficina aberta por Geraldo em 1745 corria maravilhosamente; tinha fregueses não só em Muro mas também em Castelgrande que ficava perto. Todos amavam o piedoso e modesto alfaiate. Embora nem todos compreendessem a sua vida recolhida, e alguns estranhassem a esquisitice da sua conduta, ninguém podia apresentar queixa alguma fundada contra ele. Geraldo era a prontidão personificada; pacientíssimo, quase em excesso, jamais entrou em contendas, mantendo sempre a mais escrupulosa seriedade em todos os negócios: nunca guardou para si coisa alguma, restituindo o restante ao dono, nem que fosse apenas um fio de linha. Os seus preços eram sempre razoáveis; trabalhava muitas vezes de graça para os pobres, e Deus o recompensava visivelmente por esses atos de desinteressada caridade. Um pobre levou-lhe pano para a confecção de um fato novo. Embora a fazenda não chegasse para tanto, Geraldo aceitou a encomenda e não só aprontou o fato mas restituiu ainda ao freguês o resto do pano; a fazenda crescera em suas mãos. O compassivo alfaiate gostava de trabalhar gratuitamente para os pobres, que denominava sempre “os pobres de Jesus Cristo” e reservava-lhes ainda parte dos seus 
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próprios lucros. Às vezes dava-lhes tudo; queria padecer fome para matar a dos outros.
Entre os pobres de Cristo enumerava não só os que padeciam miséria sobre a terra mas também as almas que se não achavam em condições de apre-sentar o “último ceitil” para a sua entrada na bem-aventurança; sentia-se docemente constrangido a socorrer, com seus poucos haveres materiais, as almas do purgatório em suas prementes e grandes necessidades espirituais. “As almas são pobres, muito pobres, dizia ele, e reclamam o nosso auxílio”. Muitas vezes (segundo outros: uma vez por semana) mandava celebrar para elas santas missas, e às vezes, diversas ao mesmo tempo. Aconteceu receber uma vez apenas cinco liras durante a semana inteira; não obstante deu tudo em benefício das almas, tendo por isso de jejuar a semana seguinte e contentar-se com uns poucos pedaços de pão duro.
A mãe não discordava de Geraldo em se tratando de socorrer os pobres, porém não podia aprovar aquela prodigalidade exagerada, que o fazia esquecer as próprias necessidades. Repreendia-o muitas vezes, pedindo pensasse na situação precária em que se achava, e não se esquecesse do futuro. Geraldo porém não se preocupava com esses cuidados; julgava mais dignas de imitação as aves do céu, que Deus sustenta e os lírios dos campos que Deus re-veste, do que os homens que cogitam do seu futuro; dizia: “Minha mãe, Deus cuidará de mim; quem confia em Deus nunca sentirá falta de coisa alguma”.
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A grande caridade de Geraldo para os seus semelhantes era a conseqüência necessária do amor divino que ardia em seu coração. Esse fogo celeste aumentava-se na medida que os anos passavam. As amargas horas da sua aprendizagem e do seu em-prego em Lacedogna contribuíram para o aperfeiçoamento desse amor, que nessa ocasião se difundia por todos os lados produzindo magnífica florescência e exalando o mais delicioso aroma. Ao lado desse trabalho por Deus e pelo próximo era a oração a ocupação predileta de Geraldo. O lugar mais procura-do era o sacrário onde habita o amigo da humanidade com a plenitude de seu divino amor; lá permanecia sempre que os seus trabalhos o permitiam e a obediência ou a caridade não reclamavam em outra parte a sua presença.
Logo pela manhã assistia a diversas missas na catedral, e quando lho permitiam, ajudava o padre ao altar; comungava ao menos três vezes por semana. O momento em que se devia ausentar de perto do sacrário para entregar-se ao trabalho era-lhe tão doloroso como a separação de um bom amigo.
Sempre que encontrava momentos de lazer cor-ria à igreja em visita a Jesus sacramentado e lá permanecia extático e absorto à contemplação das profundezas do poder, amor e misericórdia divina. Preferiria a noite para os seus colóquios com Deus, porque então se sentia livre dos negócios terrenos e longe do rumor do mundo. O sacristão da catedral, seu parente, entregava-lhe às vezes a chave da igreja para
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ele, desimpedido, fazer suas visitas ao SS. Sacra-mento — favor esse que Geraldo explorava ricamente.
Assim passou o Servo de Deus um ano inteiro edificando a cidade de Muro, quando a municipalidade se lembrou de carregar de impostos o exercício de sua profissão. Ao mesmo tempo um tal Lucas Malpiedi que em São Félix abrira uma escola particular para rapazes e necessitava para isso de um alfaiate, pediu-lhe que o acompanhasse. Para evitar as mo-lestas exigências municipais, Geraldo aceitou o convite e seguiu para São Félix pelo fim de 1746 ou co-meço de 1747. Lá estava ele livre dos impostos, porém mais exposto a insultos e provocações. Malpiedi nada entendia de pedagogia; em sua escola reinava a desordem e o desenfreamento. Geraldo fez o que pôde, mas infelizmente nada conseguiu, ao contrário, tornou-se o alvo das diabruras dos meninos sem educação e da má vontade do mestre sem habilidade. As seis ou oito semanas, que lá passou, serviram para provar rudemente a sua paciência. Suportar as zombarias e o desprezo dos garotos desenfreados era ainda mais relativamente fácil; mas os malvados maltratavam-no com torturas de toda a sorte, ainda mais que a reação de Geraldo consistia apenas em pedidos de compaixão. Malpiedi em vez de proteger o nosso Geraldo contra os maus tratos dos meninos, seguiu-lhes os exemplos atormentando e batendo desapiedadamente o nosso santo jovem. Geraldo porém, longe de perder a calma e a jovialidade 
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costumada, parecia ter haurido desses contratempos uma verdadeira sede de novos sofrimentos e desprezos. O que agora vamos ouvir justifica essa conclusão.



Em fevereiro de 1747 Geraldo já havia novamente voltado para casa. Na quaresma, que começou pouco depois, ele estava resolvido a mortificar-se de verdade, para assemelhar o mais possível o Salvador em sua Paixão e em seus desprezos.
Acumulou penitências sobre penitências; as usuais não lhe bastavam, disciplinava-se muitas vezes até ao sangue; servia-se para isso de cordas molha-das e pedia a um certo Félix Falinga, seu confidente, que desempenhasse o papel de carrasco. Ele relatou mais tarde: “Sempre que eu o atava a um pilar de a-cordo com seu pedido, e lhe batia desalmadamente as costas, Geraldo abençoava-me, e quando eu com-padecido afrouxava os açoites, pedia-me que bates-se sem dó até correr sangue”.
A sua refeição habitual consistia em um pedaço de pão duro, que umedecia em um pouco d’água; não poucas vezes passava dias inteiros sem alimento; quando muito tomava umas frutas ou algum resto de comida esmolada na rua. Quando tomava as re-feições usuais, isto é, uma espécie de sopa com legumes, julgava-se haver banqueteado lautamente. Convidado para jantar em alguma família , desculpava-se pretextando inapetência; quando insistiam, reservava as comidas para os pobres e enfermos.
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Esse rigoroso jejum de Geraldo custou bastante à sua compassiva mãe, que se lamentava e queixava amargamente. Geraldo porém dizia-lhe: “Não vos in-comodeis, minha mãe, não tenho apetite e não necessito de alimento”. Geraldo não mentia porque o seu alimento eram ervas amargosas, losna, centáurea e semelhantes, que levava sempre consigo em grande quantidade. Quando uma vez Eugênio Paschoal quis persuadi-lo a que se alimentasse para não morrer de fome, Geraldo respondeu que o seu jejum não era tão rigoroso, pois que levava sempre alimento na algibeira. Curioso, Eugênio examinou-lhe o bolso e encontrou raízes e folhas amargas e já em mau estado.
A consolação do céu e a ira do inferno eram companheiras inseparáveis das penitências de Geraldo. Estando uma noite a desabafar o seu coração, ardente de amor, diante do SS. Sacramento, ouviu do altar as palavras: “És um louco, Geraldo”. Reconhecendo logo a voz do seu amado Senhor, não pôde conter-se, respondeu com a candura que só a sua intimidade e ardente amor lhe permitiam: “Sois ainda mais louco, Jesus; fostes ainda longe conservando-nos ai preso por meu amor”. Uma outra vez Geraldo, inebriado de amor, aproximou-se do altar donde ou-viu a voz divina: “Que estás fazendo, louquinho”. “Que quereis meu Deus — respondeu Geraldo, que quereis e porque me chamais assim? Fostes vós que me reduzistes a tal estado”.
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De outro lado o inferno esforçava-se para fazer cessar essa união íntima com o céu servindo-se de ilusões aterradoras. Uma vez, quando Geraldo estava para entrar de manhã, na igreja, Satanás, tomando a forma de um cão a uivar e ranger os dentes, avançou contra ele ameaçando reduzi-lo a pedaços. Outro, que não o servo de Deus, teria fugido amedrontado; Geraldo porém, reconhecendo o inimigo, fez o sinal da cruz e afugentou o monstro. O mesmo fez ele outra vez quando o demônio se lhe pôs adiante qual lobo furibundo e ameaçador.


A proteção do céu e a ira impotente do inferno fizeram nascer em nosso santo aquela santa ousadia, com que ofereceu, nessa época, o seu coração à Rainha do céu, e com ela se desposou. Como vimos, Geraldo sempre nutriu terno e filial amor à Santíssima Virgem. Obra prima das mãos divinas, essa Beleza incompreensível e Bondade imensa arrebatou-lhe a alma; como Mãe de Jesus, Maria despertou nele admiração, encanto e veneração, como Dispenseira de todas as graças, atraiu a si com irresistível violência aquele coração sedento de perfeição.
Não se podia conservar afastado das imagens da Santíssima Virgem. Quando interrogado pela causa desse amor tão intenso, não sabia responder outra coisa senão: “A Madona arrebatou-me o coração e eu lho dei inteiramente”. Já na idade de doze anos Geraldo consagrara-se à SS. Virgem e é provável que já então fizera o voto de virgindade perpétua. Ao menos quando pessoas mundanas lhe perguntavam
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indiscretamente, se ele não se queria casar, costumava responder: “Uma senhora de formosura encantadora será a minha esposa”.
A bênção dessa consagração manifestou-se na mais perfeita pureza de alma e corpo. Geraldo jamais se manchou de culpa grave; levou imaculada ao túmulo a inocência batismal; conseguiu até evitar a mancha do pecado venial, que nunca cometeu com plena advertência. Os seus confessores não encontravam matéria para a absolvição sacramental, e o Pe. Celestino de Robertis, que ouviu a confissão do santo nos últimos anos de sua vida, afirmava sentir-se humilde ao ver a seus pés aquele anjo do paraíso resplandecente de inocência e santidade. Quanto à pureza do corpo, Geraldo permaneceu sempre livre dos ataques da concupiscência. Foi essa graça com que a Virgem das virgens recompensou o seu servo virginal.


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